quinta-feira, 29 de outubro de 2009

TRAGÉDIAS HUMANAS

II – Os Bicos de Gás e o Cigarro King Size

Maldita família. Malditos papai-mamãe-titia, como diziam os Titãs.
Kleber era fã incondicional dos Titãs e a proibição paterna de assistir ao show da banda favorita tinha sido decisiva. Andava cada vez mais saturado com seo Clóvis, dona Antônia e a Andréia. Todos precisavam sumir para que ele não precisasse mais cortar os cabelos, abaixar o volume do estéreo, perder a chance de ver o Paulo Miklos de perto ou ver a chata da irmã caçula que, mesmo com dezoito anos, recebia todos os mimos da casa.
Depois de mais uma briga com a irmã, que chamou os Titãs de banda de merda, Kleber se fechou no quarto e ficou horas pensando em uma solução para todos os problemas.
Começou a cogitar uma fatalidade, uma daquelas falhas humanas pelas quais as pessoas estão sempre morrendo. Ele então pensou que dona Antônia podia cometer uma dessas falhas na cozinha. E decidiu que ia acontecer naquela noite mesmo.
Tudo ao mesmo tempo agora, como cantavam os roqueiros favoritos, em octeto.
Boa noite papai, boa noite mamãe, boa noite maninha. Bons sonhos com a companhia de gás. Foi pra cozinha, tomou três long necks, virou a torneirinha, os botões e sentiu o fedor tomando conta do pequeno apartamento. Depois saiu pra dar uma volta com o carro do pai, que logo seria dele.
Voltou tarde da noite pra conferir a chacina e todos tinham mesmo saído de sua vida sem violência. Telefonou pros bombeiros pedindo ajuda e simulando desespero.
Foi pra cozinha, fechou a torneirinha do gás e abriu as janelas. Acendeu um cigarro, pensando na vida livre que teria dali por diante e jogou fósforo no carpete, sem pensar que o gás de cozinha pesa mais que o ar.
E não pensou em mais nada.









12/04/1993
Em Horas Frágeis

O Milagre de Deus às vezes se esconde
E vem se derramar na hora da tristeza,
Quando a gente pega empenho em desacreditar,
Lamenta a rosa sem pétalas, mesmo havendo o botão.

Deve ser assim mesmo: o Bem vem em horas frágeis,
O Milagre não se mostra inteiro em dias de festa,
Mas toma todos os assentos de um trem desgovernado,
Vai nos buscar sempre no fundo da ribanceira.








25/03/2009

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

TRAGÉDIAS HUMANAS

I – O Desengano do Rock Star Paulistano

Tinha uma guitarra elétrica, canções e sonhos na cabeça.
A paixão de Alécio pelo rock and roll era coisa herdada de um tio roqueiro que, hoje em dia, não tocava mais nada, mas tirave uma banda meio Velhas Virgens no começo dos anos oitenta. O tio de guitarra pendurada vivia dizendo que aquele garoto de dezenove anos tinha todos os predicados pra sobressair no cenário musical.
Na garagem apertada, no Alto da Lapa, os ensaios da banda Gaia duravam horas. E só eram interrompidos no começo da noite, quando o pai de Alécio retornava do trabalho e o velho opala comodoro ocupava o estúdio improvisado.
Até aquele dia, Alécio, Jéferson e Fernando eram apenas mais uma banda cover se repetindo em shows esporádicos e o sonho de gravar um disco não parecia próximo de ser realizado. Mas tudo mudou de uma hora pra outra naquela tarde, quando uma gravadora entrou em contato com Alécio. Gostaram muito de uma fita demo que ele lhes enviara e estavam interessados em lançar o primeiro long-play da banda Gaia.
Era o sonho da vida de Alécio e ele mal podia acreditar. Tocou até altas horas sozinho no quarto e dormiu abraçado à sua dolphin preta.
Em um prazo de trinta dias, estavam tocando nos programas de televisão. Suas canções eram tocadas em rádios por todo o país e cantadas por multidões nos shows. O público tinha se rendido ao carisma de Alécio.
Os cachês eram cada vez maiores e Alécio já começava a fazer planos de montar um estúdio próprio. Já não andava pelas ruas de São Paulo sem que inúmeras pessoas o reconhecessem. Era muito gratificante entrar em uma loja e ver seu próprio disco como item de destaque.
Mas Alécio deixou-se levar pelo sucesso. Começou a ter ataques de estrelismo, evitava os fãs, participava de noitadas, faltava a compromissos em cidades menores, já não se entendia bem com os companheiros de banda.
Em mais seis meses pararam de tocar a banda Gaia nas rádios, já não eram convidados por programas de televisão, seus discos passaram a ser vendidos como ponta de estoque nas lojas.
O sucesso tinha passado.
Alécio não podia conviver com a queda. Não imaginou que o sucesso da Gaia fosse durar tão pouco. Telefonou pros companheiros de banda e eles disseram que estavam pensando em desistir da música.
Alécio trancou-se no quarto e embebedou-se de uísque. Saiu de madrugada pra rua, com sua dolphin preta, cantando canções da Gaia e foi atropelado.
Morreu algumas horas depois, no hospital.
Naquela tarde, algumas horas antes, a gravadora resolvera produzir um segundo disco da banda e um fã-clube oficial tinha sido montado.
No exato momento em que Alécio dava entrada no pronto-socorro, essa frase era pichada no muro de sua casa: “GAIA, NÓS AMAMOS VOCÊ”.



23/08/1992



Uma Estrela Só

Ter encontrado o amor é isso:
A gente pode partir deste mundo
Com a certeza
De que já viu tudo,
Já sentiu tudo,
E que qualquer outra coisa
Será pouco.

Amor é quando perdemos
O medo da morte
Não por ódio ou inconseqüência,
Mas quando podemos
Partir satisfeitos,
Pois nada terá
Maior importância.

Amor é quando sabemos
Que as buscas cessaram,
Não pela ausência da beleza,
Mas por não se enxergar mais,
E não se enternecer mais,
A vida parada na órbita
De uma estrela só.







21/08/2009
Da Janela do Meu Quarto Eu Via

Da janela do meu quarto eu via.
Havia laranjeiras,
Frutos maduros
E tantos motivos de felicidade.

Da janela do meu quarto eu via
A vida amanhecer devagar,
O céu azul de verdade.

Da janela do meu quarto eu via.
Havia uma horta modesta,
Canteiro de alfaces
E tantos motivos de felicidade.

Da janela do meu quarto eu via
A vida entardecer devagar,
O céu prometendo estrelas.

Da janela do meu quarto eu via.
Era um lugar sem armadilhas,
O céu mais bonito de todos
E estava tudo bem.









09/05/1996
O Sopro de Fim de Tarde

Senti o sopro de fim de tarde,
Olhei pro terreiro da Tia Maria
E enxerguei aquele vão do tempo,
A vida escorrendo com tênue significação.

A brisa arqueava os pés de milho,
Uma velha bicicleta cortava a poeira,
Com bravura seguia avante pra qualquer lugar.

Tia Maria preparou café novo!
Vamos sentar pra falar da vida,
Que teima em se arrastar.

Senti o sopro de fim de tarde,
Olhei pro rosto da Tia Maria
E percebi a tranqüilidade em seus olhos,
A vida banal sem empreita de modificação.

A brisa derrubava as jabuticabas,
Uma velha galinha protegia a ninhada,
Em meio à poeira nada havia que a pudesse abalar.

Do lado adverso da rua há solidão,
Tio “Bramão” ninguém tem que o aconchegue,
Sua alegria é coisa que custa voltar.

O sopro de fim de tarde
Levou embora os resquícios de dia,
Hora feita de me retirar.








07/12/1996

domingo, 25 de outubro de 2009

Divagações do Amor Morto

Se o amor não tivesse morrido,
Eu bem que me apaixonaria por você,
Sem medo do fogo ou da água que o arrefece.

Tem tanta coisa que eu já vi queimar,
Meu coração é um braseiro exaurido,
Na incidência dos ventos que o amor soprou...

O vento balançou a roseira e desnudou a rosa
- Pobre rosa, um coração com pétalas-,
Depois o vento finou-se no mormaço árido
De uma cena árida, sem roseiras, sem terra fértil,
Um canteiro cimentado de poemas inúteis.

A ineficiência da poesia, esse contra-senso
Dito pela boca daquele que entoou sonetos,
Formado pela língua e garganta oprimidas
Na réplica silenciosa de belas donas surdas,
Este contra-senso é o contra-senso advindo
De quem se afogou nas águas paradas do lirismo.
Terá morrido também a inspiração?
Não será mais que uma poça de lama lodosa
Onde os meus pés chafurdam?

E esta pena que traceja tais divagações
Sobre o amor que morreu sedento,
Na imprudente e nobre espera por água doce?

O oceano levou o amor e traiu sua sede,
Cercou-o de amplidão sem fim e fundura
E o amor desacostumou-se da luz do farol,
Exasperou-se de querer a carícia das areias,
Assumiu sua sede e afogou-se pesadamente,
Convencido da segurança das águas profundas.

Silêncio...

As ondas levam conchas à praia,
Levam garrafas com mensagens de amor,
Levam garrafas com pedidos de socorro,
Levam garrafas vazias...

O amor não retorna nessa fábula incomum,
Meu coração é um canteiro forrado por pedras de poesia.

Mas, se o amor não tivesse morrido,
Eu bem que me apaixonaria por você.








21/02/2002

sábado, 24 de outubro de 2009

Eu Vou Morrer Denovo

Eu sei que isso complementa a vida:
Rosas massacradas pela ventania,
Poemas que não pagam o papel,
Doces mesquinharias,
Enganos amargos...

Eu vou morrer denovo
Porque renasço sempre
E entre os danos me refaço...

Porque sei que isso complementa a vida:
Mausoléus decorados por sonhos,
Tempos ruins... Sonhos...










11/03/2006

A Perfeição

E foi tanto tempo nessa busca,
Conduzindo passos incertos rumo à perfeição,
Modelando uma princesa acima de todas,
Que atendesse todos os desejos de meu coração...

Mas Deus me falou que a perfeição é uma jóia,
Perfeitamente guardada entre os tesouros da Terra,
E não existe mapa que leve ao amor sonhado,
E só se ressente da solidão aquele que erra...

Ontem desejei tanto o que nem conhecia,
Hoje vejo que a perfeição é exatamente isso:
Algo que não se encontra da maneira que se quer,
Pois Deus rege tudo desde o início.










19/02/2009
Às Vezes

Às vezes o amor naufraga no medo,
Às vezes essa luz é penumbra.

Às vezes esse mar é muito fundo,
Às vezes o lume entristece.

Quisera eu navegar nas certezas,
Desbravar olhares na escuridão,
Ter coragem de afagar rochedos
E, na tristeza, clarear.

Às vezes o amor desorienta,
Às vezes anoitece no mar.










13/04/2004
Novas Borboletas

E as borboletas se vão, com suas vidas quinzenais
E ficamos nós, com nossas décadas de insensibilidade,
Nossas eternas pretensões a seres imortais...

As borboletas morrem com seu colorido irracional
E nós permanecemos com nossa opacidade,
Nossa racionalidade anormal...

Quisera eu que tivéssemos tão curto tempo proveitoso,
Antes desse magote de tempo vago,
Dias sem cores, egoísmo suntuoso...

Mas morreremos todos como borboletas.








12/11/1993

Varal

Roupas no varal,
Crianças no quintal,
Patroa na cozinha.

Volta à terra natal,
Sossego provincial,
E minha alma sozinha.

Longe da Capital,
(Eita, vida sem sal!), 
Aipim, charrete, galinha.








30/04/1997

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

O Empório Jaburu


O Empório Jaburu

Esse amanhecer
Se pareceu com minha terra,
Aquela que coloquei tão longe,
Quando voltei para meus velhos medos.

Hoje o dia é plácido
E a vida está com um cheiro antigo,
De velhos dias felizes.

Mandou-me de encontro a lembranças
Da terra que coloquei tão longe,
Quando voltei para encarar a mim mesmo.

Esse amanhecer se parece com a minha terra,
Da menina de olhos amendoados,
Do polaco de sorriso franco
E do Empório Jaburu.


30/05/1995